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Luzinete Rubens da Silva Vieira

1946 - 2020

Batom cor de telha, esmalte vermelho e a alma leve de quem é capaz de amar incondicionalmente.

Luzinete se realizava por meio da felicidade do outro, principalmente dos filhos e dos netos; mas, não era nada raro que ela se alegrasse pela conquista de alguém que ela nem mesmo conhecesse pessoalmente. Esse sentimento de benquerer só é possível para os raros seres humanos que vêm para a Terra, muito de vez em quando, ensinar a nós, simples mortais, o que é o amor verdadeiro. Pois Luzinete era um desses seres raros. Erika teve em sua mãe o porto seguro, a melhor amiga, a confidente e a estrela guia.

E era vaidosa também, gostava de caprichar na comida, porque fazia parte de sua personalidade fazer com gosto e primor tudo aquilo que lhe fosse confiado; e, por que não dizer, caprichava também para ouvir um "Nossa mãe! Que delícia!" ou "Luzinete! Ninguém faz uma canjica como a sua!". E ninguém fazia mesmo; justiça seja feita. Na época das festas de São João, ela fazia aquele "tantão" de canjica para distribuir aos amigos e vizinhos, e ficava numa alegria só de ver o povo lambendo os beiços, ao se deliciar com uma de suas especialidades.

Aos domingos, o almoço tradicional em família nunca falhou: macarrão com molho de carne moída, feijão, frango, farofa e verdura eram o cardápio do banquete; para beber, suco de uva com açúcar ─ sob os protestos da filha Erika, já que Luzinete era diabética ─, e para a sobremesa: sorvete.

Enquanto o almoço não saía, era uma farra só na piscina inflável, no banho de bacia e de mangueira. E, depois do almoço, Luzinete ia se balançar na rede, na paz de ter a família toda reunida em casa, até pegar no sono. Junto dela, sempre o fiel escudeiro, o cão Dalton, um Husky Siberiano, tratado como filho que só bebe água gelada e que anda adoecido de saudades de sua mãezinha.

A vaidade não se resumia só aos dotes culinários não, viu? Luzinete lavava os cabelos e os enrolava em "bobs" soltando-os só na hora de sair, para poder sair com as madeixas impecavelmente penteadas; nos lábios, batom cor de telha ─ nem rosa, nem vermelho, cor de telha! ─, nas unhas, sempre esmalte vermelho; aliás, ela mesma pintava suas próprias unhas, e pintava com perfeição; nos pés, só sapatos ou sandálias de salto alto. "Acredita que no dia que eu tive de levá-la para a UPA, não achava um único par de sapatos sem salto para calçar nos pezinhos dela? Com muito custo fiz com que ela calçasse um par de havaianas; mas ela foi reclamando de casa até o hospital; mesmo com falta de ar!", conta a filha Erika.

Técnica de Enfermagem foi a sua profissão por muitos anos, a qual ela exerceu com paixão. Cada exame de pezinho que ela fez, ela lembrava; cada bebezinho que ela ajudou a vir ao mundo, ela lembrava; cada criança em quem ela deu banho, ganhou sua bênção, tamanho era o seu amor pelo trabalho que desempenhava na Maternidade. Não havia médico ou médica, nem mesmo colegas de trabalho que não respeitassem e amassem Luzinete, porque além de competência, levava alegria e lua ao hospital. Nos seus últimos dezoito anos de trabalho, ela atuou no Pronto Socorro do IPE ─ Instituto de Previdência do Estado ─ gostava de trabalhar na área de urgência; neste local seus grandes amigos foram Geraldo, Arlete, Socorro, Raimunda, Ana Costa e Célia.

Toda semana ela tentava a sorte na loteria, jogava em vários concursos, inclusive na época do Natal. Chegou a ganhar duas vezes na quadra. Uma vez teve prêmio em dinheiro e, em outra, ganhou uma moto. A filha conta que Luzinete tinha um caderninho para estudar os números antes de jogar, ninguém entendia o método que ela usava para estudá-los, só sabem que ela não repetia os números. No caso dos títulos de capitalização que comprava do "homem do Baú", ela queria mesmo era ganhar para poder conhecer o Silvio Santos, por quem ela era apaixonada.

E por falar em paixão, Luzinete foi casada uma vez só. Ficou viúva em 2004 e nunca mais quis saber de se casar outra vez. Dizia que sorte no amor se tem uma vez só e que ela já havia tido toda a sorte do mundo. Erika contou que a mãe e o pai tinham uma música "Poxa, como foi bacana te encontrar de novo... Curtindo um samba junto com meu povo... Você não sabe como eu acho bom... Eu te falei, que você não ficava nem uma semana, longe desse poeta que tanto te ama, longe da batucada e do meu amor..."

"Minha mãe amava essa música, desde que não fosse cantada pela Alcione, porque ela morria de ciúmes da 'Marrom'!", lembra-se a filha, achando graça.

E como essa vida é mesmo cheia de mistérios... Quando Erika estava indo ao cemitério organizar a cerimônia de sepultamento da mãe, ela entrou no carro, o marido ligou o rádio e adivinha! Era bem essa música que estava tocando. A filha entendeu que era uma forma do pai dizer "Aquieta seu coração, querida. Sua mãe está aqui comigo! Eu vou cuidar dela bem direitinho, viu?!"

Luzinete nasceu em Natal (RN) e faleceu em Natal (RN), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado de Luzinete, Erika Karla da Silva Vieira. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Ana Macarini, revisado por Ligia Franzin e moderado por Ana Macarini em 24 de janeiro de 2021.