Sobre o Inumeráveis

Manoel Feitoza da Silva

1956 - 2021

Um pernambucano que desembarcou semianalfabeto em São Paulo e se transformou no alicerce de muitas vidas.

Ele tinha 18 anos quando deixou Pernambuco e seguiu para São Paulo, contando com a ajuda da irmã mais velha e de outros parentes. Começou a vida como cobrador de ônibus e ajudante de caminhão. Tão logo foi possível, deu um jeito de trazer a namorada e com ela se casar um ano depois. Foi morar numa chácara como caseiro e precisamente nove meses depois nasceu Fernanda, a primeira filha; depois vieram a Adriana e o Fernando, o filho homem que ele tanto queria.

A esposa cuidava do lado prático do dia a dia, das chineladas, com as quais ele concordava, enquanto Manoel trabalhava muito e economizava, porque sabia que precisava de foco e coragem para progredir. Criou os filhos sem luxo, mas sem deixar faltar nada, procurando educá-los e ensiná-los a ter sempre coragem e os pés no chão para não se perderem num mundo de aparências.

Manoel gostava de casa cheia e fez pelos outros o mesmo que recebeu: mantinha cunhados, sobrinhos e sobrinhas em sua casa e, a seu modo, conseguiu encaminhar muitas pessoas que, assim como os filhos, eram apaixonados por ele e o tinham como modelo de referência e orgulho.

Com seu esforço, logo conseguiu uma casa para a família e começou a empreender. Com a ajuda do mesmo cunhado que o recebeu em casa quando se mudou para São Paulo, comprou uma padaria. Nessa ocasião, Fernanda, com apenas 9 anos, já pedia para ir trabalhar com o pai. Ali permaneceu até os seus 19 anos, quando se casou.

Anos depois, Manoel e a filha, então com 24 anos, tornaram-se sócios numa empresa no ramo de metalúrgica — uma área diferente da inicial, que continuou sendo a sua segurança. Ali Fernanda aprendeu tudo sobre administração e em treze anos ela e o pai cresceram juntos.

Confiando um no outro, fizeram sucesso, empregaram muitos membros da família, ampliaram o patrimônio e ele fez o melhor que pôde para si, para a mulher, para filhos, genros, nora e netos. Estendeu a mão sempre amiga, sem imposição, mas com a liderança, a experiência e a humildade que o tornaram o Senhor Manoel Feitoza: um homem generoso, simples, que se fazia grande mesmo sem um diploma na mão; que tinha a sabedoria de estar entre os grandes para aprender e ajudar os menos favorecidos.

Com seu espírito empreendedor, enxergava em tudo uma oportunidade de negócio. Assim tomou a frente em uma obra de 14 sobrados; depois, fez de um aglomerado de casebres um imóvel com 17 casas dignas. Em tudo isso, muitas vezes, ele mesmo colocava a mão na massa!

Realizou o sonho de ter uma chácara, para onde amava ir aos finais de semana. Fez todas as viagens que quis. Como era livre para escolher, aproveitava as promoções e comprava passagens em datas pouco concorridas. Amava carros e dirigia como ninguém. Fernanda amava ser sua copilota na busca por promoções, bancos, cartórios, lojas, mercados e nas viagens.

Ele era amoroso demais! Tinha um abraço forte e apertado e uma risada que iluminava o dia de quem estivesse por perto. Foi muito presente com os netos, brincando com eles e participando das festas de aniversário e juninas, e apresentações de balé, mesmo que não gostasse, só para agradar a elas e à filha, que sempre cobrava sua participação.

Conta Fernanda sobre Manoel: “Ele brigava comigo, porque se preocupava com a minha saúde; tinha medo de que minha obesidade me levasse antes dele. Uma vez deixou isso tão explícito, que me convenceu a buscar ajuda. Ficou feliz e me ajudou em tudo. Era meu maior apoiador e me incentivou a fazer um negócio que não dominávamos, mas que, de fato, me faria ter motivos para não ser tão dependente dele. Ele já me preparava para sua partida repentina... O Nego acabava fazendo por mim, mas ele me cobrava iniciativa, agilidade... Deus o ajudou a deixar tudo certinho".

Em setembro de 2020 Manoel fez uma viagem a Pernambuco. Teimoso, insistiu em ir de carro e dirigiu por três dias, mesmo a família considerando que, por seus problemas de saúde, ir de avião seria mais confortável. Essa viagem acabou sendo a sua derradeira, deixando como lembrança o seu carrão na garagem.

Manoel acreditava que morreria velhinho. Tentava fazer tudo o que podia e fez tudo o que teve vontade. Com os recursos que possuía até poderia ter gastado mais, mas não o fez. Viveu até o último dia gastando o que considerava justo, conforme ganhava e de acordo com o seu gosto.

Sobre os gostos de Manoel, conta Fernanda: “Tinha as mãos lindas, as unhas cortadinhas. Amava um cabelo liso e pretinho e quando a gente cortava ou mudava a cor, ele já dizia: “E essa cor de burro quando foge"? Gostava de sapato bom, mas só comprava um novo quando o velho não prestava mais. Gostava de comer bem e amava doces de banana e de mamão; caldo de cana e melancia. No entanto, para não abusar do dinheiro, era capaz de comprar um bacalhau do Porto que estivesse em promoção para comer por uns três meses.

Fernanda despede-se do pai, dizendo: “Fui abençoada demais por ter sido filha dele e tê-lo ao meu lado por quarenta e três anos. Ainda sinto seu abraço gostoso e carrego comigo o amor que dei e recebi do grande amor da minha vida. Esse amor que transborda ainda para os que aprendi a amar pelo que ele me ensinou. Nunca mais serei a mesma, um pedaço de mim se foi e uma grande lacuna se abriu... Se dói? Ah, como dói... e sei que continuará doendo assim, mas tudo bem. Tenho que aprender a viver com isso e nas alegrias e conquistas que eu viver, lembrar que tudo o que conquistamos só foi possível porque um dia ele esteve aqui e me fez ser parte do que sou: Fernanda, a filha mais velha do Senhor Manoel Feitoza. Homem que deixou história, formou caráter e iluminou a vida daqueles que o Senhor permitiu que tocasse”.

Manoel nasceu em Panelas (PE) e faleceu em São Paulo (SP), aos 64 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Manoel, Fernanda Feitoza da Silva. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 5 de setembro de 2022.