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Maria das Graças Niccioli

1948 - 2022

Na escola ela era a inspetora de pulso firme. Fora dela, transformava-se em um doce de pessoa para os meninos.

Maria das Graças era uma mulher de fé, que venceu todas as lutas com a força de sua espiritualidade. Mãe solo, criou os três filhos com muito esforço. Quando se separou, nos idos de 1979, vendeu verdura na rua. Depois, trabalhou em um laboratório como atendente, prestou concurso no estado de São Paulo para o cargo de servente e em seguida fez novo concurso para inspetora de alunos. Para pagar o aluguel e manter os filhos — Alessandra, Anderson e Andrea —, trabalhava durante o dia na escola e à noite como auxiliar de limpeza.

Também reservava tempo para o lazer. Ela gostava de levar a prole à praia e na casa dos avós. Por causa da função no colégio, conviveu com vários colegas dos filhos. No trabalho, era chamada de Sargento devido ao pulso firme com os alunos; fora, era bem diferente. Essa mudança também aconteceu quando se tornou avó. "Foi uma mãe brava — mas a melhor do mundo — e uma avó babona", contou a filha Andrea. Dona Graça não gostava de tatuagem, mas quando o neto fez uma, amou. Não era de cozinhar, porém fazia todos os pratos que os netinhos gostavam. Por eles, parava o mundo. Léo, Alexandre, Mariana e a pequenina Luísa foram sortudos.

Cantava, assistia TV junto com os netinhos, dava dinheiro, levava ao "shopping" e ensinou a devoção à Nossa Senhora Aparecida. A família toda visitava o Santuário da padroeira do Brasil anualmente. De acordo com a filha Andrea, eles testemunharam dois milagres da santa. Alexandre, o segundo neto de Graça, teve um problema cardiorrespiratório aos quatro meses. Ela pediu e foi atendida. Quando a mãe teve problemas do coração, o médico disse que tentaria colocar marca-passo. "Eu rezei para Nossa Senhora Aparecida e, quando terminei, o médico apareceu dizendo que o procedimento fora um sucesso", contou.

Dona Graça também amava leitura. Apesar de católica, apreciava muito as obras espíritas, literatura e até os livros que os netos precisavam ler. Sempre fazia palavras-cruzadas também. Os bailes da terceira idade estavam em sua agenda três vezes por semana. "Ela amava colocar o vestido, o batom e ir para o baile. Arrumou até um namoradinho lá. Na ida, pegava lotação e na volta minha irmã buscava, pois acabava bastante tarde", relembrou a filha.

Sabia aproveitar a vida desde criança. Quando morava em Alfenas, Minas Gerais, vivia em cima das árvores, nas festas de Folia de Reis, em passeios na praça e namorando. Nessa época, ela morava com os avós; na adolescência, foi para a capital paulista, onde morou com os pais, estudou e constituiu família.

Quando ficou doente, manifestou sua fé até seus últimos momentos, como fez em toda sua vida. "Se for a vontade de Deus, eu estou pronta; aceito o que Ele quiser fazer comigo", disse. Partiu, mas viverá para sempre em quem ela amou.

"Eu agradeço muito a mãe que tive e tenho dentro do meu coração; a mulher que criou os três filhos e venceu todas as lutas com fé", declara Andrea.

Maria nasceu em Alfenas (MG) e faleceu em São Paulo (SP), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Maria, Andrea Niccioli Ferreira. Este texto foi apurado e escrito por Talita Camargos, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Larissa Reis em 10 de novembro de 2022.