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Maria Lourença Ferreira

1944 - 2020

Leonina, amante da cor vermelha e apaixonada por flores, queria sempre tirar fotos quando via um jardim.

As adversidades da vida não conseguiram tirar o sorriso do rosto de Maria. Nascida no dia de São Lourenço, o santo do bom humor, tomou para si a característica do religioso.

Do interior mineiro, só pôde estudar até o quarto ano do primário. Trabalhou desde cedo, enfrentou violência doméstica, criou sozinha as duas filhas e, por onde passou – em grande parte usando looks com a cor vermelha – seu espírito de guerreira levou inspiração.

Quando se divorciou, assumiu simultaneamente os papéis de mãe e de pai. Batalhou muito para que nada faltasse às meninas, Viviane e Vanessa.

Após a separação, começou a trabalhar em uma indústria, a "Linhas Corrente", o que foi motivo de alegria para Maria, pois era seu primeiro emprego com garantias trabalhistas.

Segundo a filha Viviane, a mãe fazia hora extra na fábrica para melhorar a remuneração. Chegou a cumprir jornadas de trabalho das 8h às 22h. Com o salário, conseguia fazer planos com as filhas: o que comprariam, os passeios que fariam... O domingo era sagrado para ela, era o momento de tirar o planejamento do papel e de mimar suas meninas.

Anos mais tarde, outra conquista: foi aprovada num concurso público para merendeira. Trabalhou na área até se aposentar, em 2009.

Com medo que algum pretendente fizesse mal às filhas, abriu mão de sua vida amorosa e não casou novamente, mas isso não impediu que ela passasse os dias sorrindo, cantando e alegrando a todos.

Nas comemorações, não faltava empolgação. Segundo Viviane, a mãe comemorou mais a formatura da filha do que ela própria.

Leonina que era, Maria gostava de ser notada. Festeira, estava sempre à frente da organização das festas familiares. Em seu aniversário, mesmo fazendo questão, dizia que não precisava ter bolo.

Fazia seus quitutes que agradavam a família e eram sucesso garantido para todos.

Da armação dos óculos às peças de roupa, o vermelho estava sempre presente. Apaixonada pela cor, a filha garante que seu guarda-roupa parecia o da Mônica – personagem do cartunista Maurício de Sousa.

Maria foi apreciar plantas e flores – admiração que vinha sempre acompanhada da pergunta: “vamos lá tirar uma foto?” – em outros jardins. A dama de vermelho, guerreira e leonina nata partiu e deixou a saudade no coração dos seus.

Maria nasceu em Barra Longa (MG) e faleceu em São Caetano do Sul (SP), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Maria, Viviane Cristina Lucio. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Larissa Paludo, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 23 de janeiro de 2021.