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Marques José Vieira

1964 - 2020

Homem íntegro, intenso e inteiro que se fazia menino outra vez para viver intensamente a experiência de ser avô.

Marques José trabalhou muito, muitas horas por dia, todos os dias da semana, exceto aos domingos. Seus domingos eram sagrados: era dia de reunir a família em casa, daquele almoço caprichado com as filhas, a esposa e o amado neto em volta da mesa e de ver o Palmeiras jogar. Casa cheia era alegria para esse homem simples, cujo maior contentamento era ver a família segura e feliz.

A vida nunca foi fácil para ele, mas ele também nunca deu mole para a vida, batalhou por tudo o que achou justo conquistar e foi bem-sucedido em sua missão, principalmente no seu empenho em constituir um legado de retidão, bons exemplos e honestidade; bases de um lar erguido com a companheira de uma vida, Cleusa. Foram trinta e quatro anos juntos, um relacionamento que evoluiu e amadureceu, ganhou a beleza da intimidade gostosa e a liberdade de ficar à vontade na presença do outro. Marques adorava implicar com Cleusa só para vê-la fingindo braveza. Como?! Trocava o nome da amada, de propósito!

A filha Josiane conta que a vida toda com seu pai foi uma história especial, que seria difícil recordar-se de uma em particular. Lembra-se com saudade dos momentos cotidianos, das pequenas implicâncias habituais, das divergências políticas, da hora do jogo de futebol na frente da telinha, do pai festivo que alegrava a casa, do pai que incentivava as filhas a lutarem por independência... "São muitas histórias! É muito difícil escolher uma só!", argumenta Josiane.

Por fim, a filha acaba por escolher dois momentos especiais. O primeiro foi em uma situação protagonizada por ela mesma: pouco tempo antes da partida do pai, Josiane formou-se em Engenharia Civil, podendo assim dar a ele essa alegria e orgulho; para Marques foi um dia muito importante. O pai orgulhoso viu a filha colar grau com os olhos cheios de lágrimas e o peito explodindo de admiração.

Um outro momento memorável diz respeito ao nervosismo de Marques no casamento da filha Juliana, quando ele aparentava mais ser a noiva do que a própria nubente. Nesse dia, literalmente ele perdeu o rumo e o prumo: perdeu-se a caminho da cerimônia, bateu o carro e até ─ pasmem ─ esqueceu a mãe da noiva em casa! Dá para acreditar? Até parecia que era ele quem iria se casar. É que Marques não era homem de meios sentimentos, ele era inteiro, intenso; e ali, por trás daquele nervosismo todo, estavam os sentimentos conflitantes de um pai amoroso que vê a filha deixar o ninho: "Será que ela vai ser feliz? Meu Deus, como vou viver sem a minha menina? Nossa, como ela está linda! Que orgulho da minha filha, já é uma moça feita, adulta, responsável!", milhares de pensamentos que passam pela cabeça de todo pai que se desdobra em cuidados pelas filhas e filhos.

E toda essa inquietação do grande dia valeu muito, mas muito a pena mesmo! Porque anos depois, fruto dessa união, nasceu Jhonatan, neto e paixão da vida de Marques José. Era impressionante a conexão que havia entre esses dois. Quando iam passear no shopping, o avô alugava aqueles bichinhos motorizados de montar e dirigir; mas, no fim, Josiane conta que tem dúvidas se não era o avô que acabava aproveitando mais o brinquedo do que o neto. Esse homem tão forte, determinado, que venceu inúmeros desafios na vida, voltava a ser menino ao lado do pequeno Jhonatan, principalmente diante da imensidão do mar.

Marques não partiu, estará presente em cada obra erguida que levar a assinatura de Josiane, em todas as referências de vida em família seguidas por Juliana, em cada lembrança de tantas histórias vividas a dois por Cleusa, em cada vez que ele virou criança outra vez para brincar com Jhonatan. Marques José não partiu, virou espuma do mar.

Marques nasceu em Agulha (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 56 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Marques, Josiane de Souza Vieira. Este tributo foi apurado por , editado por Ana Macarini, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 23 de janeiro de 2021.