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Miguel Henrique Alves

1939 - 2020

Ficava na sala, no meio da conversa entre seus nove filhos e dizia: "Não estou entendendo nada!"

Miguel, o "Preto", como era chamado pelos familiares, amigos e conhecidos, era um homem guerreiro, rude e reto. Daquelas pessoas simples, de coração bondoso e sério, que não tolerava coisas erradas. Era severo e cobrava aos nove filhos para que todos andassem na linha e fossem pessoas do bem.

Preto nasceu na Bahia e foi, ainda bebê, com os pais, morar em Jacinto, em Minas Gerais, onde mais tarde casou-se com Maria da Glória e teve alguns de seus filhos. Mudou-se para Almenara, também em Minas Gerais. Em 1985 foi embora para São Paulo, para tentar uma vida melhor e para estar perto de três filhas que já moravam na cidade. Nesta época, arrumou o seu último emprego, numa empresa de ônibus, onde encerrou seu tempo de trabalho e ali se aposentou.

Miguel nunca teve oportunidade de estudar, mas aprendeu a assinar o nome, para tirar sua carteira de identidade. Esse baiano alto e magro, de olhar sério por baixo do inseparável boné, com rosto marcado pelo trabalho e pelo bigode, com seu jeito trancadão, de quem não demonstra os sentimentos, às vezes meio seco como a terra que arava, conquistou a menina Maria da Glória, mineira linda, que aos 16 anos tornou-se sua esposa e com ele viveu por quase 62 anos. Com sua Glória, Preto tornou-se o patriarca da grande família Alves, com nove filhos e o vozão querido dos 14 netos e netas e ainda dos seus três bisnetos.

Sua grande alegria era ver a família reunida em torno da mesa aos domingos. Mesmo não podendo mais tomar a antiga cachacinha, que havia substituído pela antiga Tubaína de garrafa, rs. A conversa com as filhas e o filho único, os genros, as noras, os netos que o adoravam lhe faziam muito bem, embora ele não fosse de fazer muitos agrados. Seu jeito de agradar era encher todos de presentes, por mais simples que fossem, mantinha a mesa sempre farta e nunca deixava faltar a famosa tubaína de garrafa. A filha Daniela disse que “ele era muito sério, mas muito autoprotetor”. Era, na sua simplicidade, que Miguel conquistava todos e “por isso é muito difícil falar sobre meu pai a qualquer momento, desde que ele se foi”, comentou Daniela. “É impossível ver a casa sem sua presença tão marcante, sem seu olhar nos dizendo o que é certo”.

Miguel deixou esposa, filhos, netos, bisnetos, genros, sobrinhos, amigos e, sobretudo, uma história inspiradora, que jamais será esquecida... Deixando muitas saudades.

Miguel nasceu em Jussiape (BA) e faleceu em São Paulo (SP), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Miguel, Daniela Alves dos Santos. Este tributo foi apurado por Carla Cruz, editado por Sandra Maia, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 9 de julho de 2020.