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Neuza Cavalcante de Sousa

1934 - 2020

Preparada para caminhar em paz ao chegar sua hora, deixou bordados os melhores conselhos, gentilezas e amor.

Nascida em uma cidade pequena, casou-se com Seu Otávio e moravam no campo, onde reinava a tranquilidade e um estilo de vida muito diferente daquele da grande cidade. Por isso, a mudança para a capital lhe trouxe um enorme receio.

Foram com seus pertences e os maiores bens: as quatro filhas. Mas Dona Neuza sentiu-se perdida e a preocupava muito como sobreviveriam em Belém, seu novo lar.

Desde a infância, Neuzinha aprendeu a trabalhar com a agricultura. Na sequência, com o esposo, a lida no campo continuou, mas ao se mudarem para a capital, ela teve que se reinventar e, assim, surgiu a ideia de confeccionar roupinhas para recém-nascidos e bordar. Mesmo sem nunca ter feito um curso de corte e costura, pôs em prática os planos que povoavam sua mente. Sem perder tempo, mostrou seu trabalho em uma lojinha do bairro e, a partir daí não faltaram encomendas.

Isso foi só uma porta para tornar-se uma costureira de mão-cheia, lembra a neta Michelle, que diz ainda: "Sua dedicação e carinho fizeram toda diferença. Minha avó foi costureira por muitos anos e fez o vestido de casamento não só da filha caçula, Elizabeth, como o de muitas noivas que a procuravam e a intimavam a fabricar o enxoval. Tudo muito simples, mas com muito capricho."

Neuza foi uma mulher forte, que não se deixou abater nem mesmo com a perda cruel de duas filhas em um acidente de carro. Com todo sofrimento que passou, usou de muita sabedoria para superar, voltando a sorrir e a ser feliz na caminhada de vida que tinha à frente. Enfrentou momentos difíceis no casamento, mas com o mesmo espírito sábio, as coisas foram se resolvendo, levando o casal a completar sessenta e dois anos de união.

De um cantinho especial, guardado na memória, vem o que Michelle narra: "Nossa, como tenho lembranças boas da minha avó! Por um tempo morei na casa deles e adquiri um vício de Dona Neuza: tomar café ─ ela adorava! Vovó amava sair com a gente, conversar, bater papo, era sempre alegre e não tinha tempo ruim com ela. Se algo nos preocupasse, ela atenta já nos trazia, como conforto, um conselho. E tinha os melhores conselhos!

Agradeço muito a vivência ao lado dela, as experiências inesquecíveis... Como, por exemplo, ter aprendido bordado em ponto-cruz, ou mesmo aqueles sagrados sábados, em que combinávamos de tomar açaí juntas. De manhã já era hora de juntar o dinheirinho para, na hora do almoço, matar seu desejo ─ ela amava açaí."

Uma mulher de personalidade forte e que sabia demonstrar muito bem o que sentia. Religiosa e de muitos amigos, a Neuzinha tão querida era tudo pra sua família. Ela também era só amor aos seus e aos amigos, e procurava ajudá-los no que estivesse ao seu alcance.

Os planos das filhas e netos, seja em relação aos estudos, ao emprego ou a qualquer aspecto da vida, sempre tinham seu apoio e eram cercados por muitas orações. "Ela torcia muito por todos nós. Quando, às vezes, algo não dava certo, lá estava ela com seus sábios dizeres: 'É assim, mesmo minha filha, Deus faz tudo certinho', confortando e aquecendo nossos corações", conta a neta com amor.

De Seu Otávio cuidava como a um bebê. Ele estava muito debilitado por conta da artrose e a dedicada companheira de vida dizia: "tenho que cuidar do meu velho". Até passear, que era um de seus prazeres, já evitava para não se afastar dele.

Já em casa, Neuzinha fazia o que podia para atrair visitas. Se possível, diariamente! Mas, nos finais de semana, eram infalíveis as reuniões em sua casa. Michelle entrega com o olhar de quem sente o sabor e o cheiro registrados para sempre: "Ela adorava cozinhar e fazia uma carne cozida como ninguém. Era comida bem simples, mas tinha um sabor... Acho que era amor de avó mesmo o tempero. Ela sabia que eu adorava essa sua especialidade e sentia prazer em me agradar."

Assim era Dona Neuza ou Neuzinha que, por onde andava, com seu carisma, conquistava amigos. Os domingos eram muito especiais com esses almoços que terminavam num café com tapioca à tarde. Aniversários de filha ou netos também tinham que ser comemorados em sua casa e ela adorava receber os convidados, toda prosa. O Círio de Nazaré ─ uma linda festa religiosa típica da região ─, celebrado no segundo domingo de outubro, era um evento: a casa de Dona Neuza e Seu Otávio ficava repleta de parentes vindos de outras cidades e o almoço, claro, era com a anfitriã feliz da vida.

Vaidosa, apreciava ir às compras em busca de roupas novas. Gostava muito de usar joias, principalmente cordões e anéis. Outro prazer era andar bem perfumada e com suas unhas dos pés sempre impecáveis. Toda semana tinha que fazê-las. Já as das mãos, não dava tanta atenção.

Apaziguadora e bondosa, procurava não olhar as pessoas através de seus defeitos. Tinha o hábito de deixar em uma bolsinha um pouquinho de dinheiro. Sua preocupação era, caso passasse alguém na rua com necessidade e pedisse, poder ajudar.

A neta finaliza: "Minha avó era muito maravilhosa. Constantemente lembro-me dela alegre e com um sorriso aberto. Apesar da saudade, todos só temos a agradecer a Deus pelo tempo que convivemos com ela e por todos os ensinamentos. Com sua religiosidade como base, ela não era uma pessoa de lamentos e não temia a morte, sempre nos dizendo: 'eu já vivi tão bem, que no dia que Deus quiser me levar, estarei preparada'. Agora, estamos todos tentando encontrar a mesma sabedoria para superar essa perda e o aperto no peito. Ela foi intubada dois após a partida do meu avô. Nem vivenciamos esse luto e, apenas catorze dias depois, ela partiu ao seu encontro. Para nós, é difícil demais, mas sabemos que não conseguiriam ficar longe um do outro. E é isso que nos conforta: acreditar que estão juntinhos e rogando por nós."

As filhas Ambrosina e Elizabeth complementam: "Nossa Neuzinha foi uma mulher linda, que transparecia gentileza no olhar, na maneira de falar, na forma de conversar e de acolher as pessoas. Não havia quem a visse como uma pessoa ruim. Sempre escutamos elogios a seu respeito. Viveu para a família e participou na igreja por muitos anos, tanto no Apostolado da Oração como na Legião de Maria. Fomos criadas sempre participando e orientadas nos caminhos de Deus. Ela foi maravilhosa e será eternamente lembrada, pois está viva em todos nós!"

A história do marido de Neuza também está guardada neste memorial e você pode conhecê-la ao procurar por Otávio Andrade de Sousa.

Neuza nasceu em Peixe-Boi (PA) e faleceu em Belém (PA), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta e filhas de Neuza, Michelle Sousa dos Santos, Ambrosina e Elizabeth. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Denise Pereira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 8 de dezembro de 2020.