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Pedro Luiz da Silva

1935 - 2020

Criado na roça, sob o sol ardido e céu azul do Ceará, Pedro cresceu forte, valente e mais do que tudo, puro amor.

Um menininho tão esperto e disposto a vencer as dificuldades da vida que, mesmo aos sete anos de idade nunca lhe faltou trabalho; a filha, Sandra, conta que lá pras bandas de Brejo Santo, no Ceará, os donos de roçados viviam atrás dos préstimos do menino: "Pedro tá aí? Fala pra ele que tenho um servicinho pra ele lá na roça.".

E foi assim, no trabalho debaixo do sol ardido cearense que Pedro aprendeu a roçar o mato para, depois, poder plantar. Foi também com essa idade que o menino perdeu seu pai; acabou virando chefe da família e ajudou sua mãe a criar seus outros três irmãos: Mariquinha, João e Ana.

Muito jovem ainda, conheceu Francisca Pedrina, com quem se casou e viveu uma relação de muita união, amor e respeito, durante 62 anos. Nessa época, Pedro contava 21 anos e Francisca, 18. O casal, tão novinho, já iniciou a vida em comum com uma responsabilidade partilhada: cuidar da mãe de Pedro, Dona Maria Pereira que viveu com eles por mais dois anos. Quando a senhora partiu para o céu, Pedro e Francisca juntaram suas coisas e também partiram, em busca de novas oportunidades; os jovens foram para o Mato Grosso, na companhia de um dos irmãos de Pedro, João, e também sua esposa Ester. Francisca estava gestante de seis meses de uma menina que viveu apenas três meses, partindo vítima de uma pneumonia.

Já estabelecidos no Mato Grosso, Pedro conseguiu ter seu próprio roçado: plantava milho, arroz e feijão para consumo e para vender; tinha um boi e uma vaca, umas galinhas espalhadas pelo terreiro, mais uma cabra que garantia o leite das crianças. No Mato Grosso, onde ficaram por aproximadamente dez anos, nasceram Airton, Maria, Leoni e José. O casal voltou para o Ceará, onde permaneceu por dois anos, e nasceu Leodil.

Então, Pedro e Francisca partiram para São Paulo. Os cunhados, acompanharam o casal também nessa nova jornada. Na capital paulista, alugaram uma pequena casa no bairro Jardim São Jorge; moravam todos juntos. Foi em São Paulo que nasceram Adilson, Sandra e a caçula, Eliana.

Com o tempo, as condições da família foram melhorando, e eles se mudaram para uma casa maior. Nessa época, Pedro trabalhava em uma fábrica de pisos de cerâmica. O irmão, João, também comprou sua própria casa no bairro Capão Redondo, onde Ester teve o filho, Eriston. O irmão de Pedro trabalhava como motorista de ônibus, e acabou falecendo vítima de um assalto, enquanto trabalhava.

Pedro mudou de emprego, foi trabalhar numa indústria metalúrgica que fabricava peças para aviões e barcos. Nessa empresa, permaneceu por 22 anos, até se aposentar.

Sandra conta que seu pai foi um homem extraordinário, que jamais encostou um dedo sequer em nenhum dos filhos e que o auge de sua braveza era um enérgico "Psiu!"; a bronca era rapidamente entendida pela molecada que tratava logo de se aprumar e obedecer ao pai.

Mesmo tendo pouquíssimo estudo, era nítida a inteligência de Pedro, era um homem muito respeitado no trabalho. Com o dinheiro que conseguia economizar, depois de prover a família e garantir que nada lhes faltasse, ele ia comprando pedacinhos de terras no Ceará. A mãe que costurava as roupas da família para economizar; só se comprava roupas em loja uma vez por ano.

Todos os anos Pedro e Francisca viajavam para o Ceará a fim de visitar a família; no início, hospedavam-se na casa dos parentes, mas com sua obstinação e por nunca ter desistido de realizar seu sonho, Pedro acabou por construir sua própria casinha na terra onde nasceu.

Pedro tinha uma grande fã, era Dona Delfina - mãe da cunhada Ester -, que amava e considerava Pedro como se fosse seu próprio filho de sangue. Eles tinham uma relação de muito afeto, Pedro recebia dessa querida senhora o amor do qual fora privado, por ter perdido o pai tão cedo.

Quando Dona Delfina Partiu, ele ficou muito abalado e, desde então, passou a apresentar sinais de Alzheimer. No início eram pequenos esquecimentos; depois, os sintomas foram ficando mais severos. Uma vez ele saiu de casa para ir a outro bairro fazer umas compras, e voltou sem nada; ao ser indagado sobre ter voltado para casa de mãos vazias, respondeu: "Esqueci o que tinha que fazer!".

Nesse período, os filhos já haviam levado o pai para fazer exames e passar em consulta com um neurologista; mas, como tinham que contar com o serviço dos hospitais públicos, o processo era sempre muito demorado. Os cuidados sempre foram divididos entre os 8 irmãos, todos ajudavam. Francisca nunca admitiu ter outra pessoa em casa para cuidar de Pedro; ela mesma queria cuidar, então os filhos se alternavam nas tarefas de dar banho, alimentar, fazer um pouco de exercício, um pouquinho de caminhada e, o mais importante de tudo: dar suporte afetivo àqueles que lhes deram a vida e que, com tanto sacrifício os criaram e educaram com louvor. Sandra acabou fazendo um seguro de saúde particular para seu pai; a partir daí, já com o tratamento mais contínuo e as medicações acertadas, Pedro teve até uma melhora no quadro geral da doença.

No entanto, em função de seu trabalho na fábrica de cerâmica, numa época em que não havia nenhuma preocupação ou zelo pela saúde dos empregados, Pedro acabou inalando aquele pó por anos seguidos, o que deixou seus pulmões prejudicados e muito sensíveis, levando-o a desenvolver várias pneumonias.

Apesar de ter tido uma vida de enormes sacrifícios e lutas; esse menino que trabalhou desde os 7 anos de idade, e que cresceu na ausência dos cuidados paternos, tornou-se um pai extremamente amoroso e doce. Todo mês de fevereiro, quando Pedro e Francisca faziam aniversário, os filhos nunca deixaram de festejar; assim era também com os aniversários de casamento e as festas de final de ano.

No Natal de 2019, toda a família se reuniu. Sandra se lembra com ternura do momento de montar a árvore de Natal. A filha colocou a caixa de bolinhas no colo de seu pai e ele as ia escolhendo para serem penduradas na árvore. Quando, por fim, Sandra instalou as luzinhas coloridas e as acendeu, Pedro ficou encantado, como se fosse uma criança. Aliás, Sandra conta que mais tarde, na hora da festa de Natal, foram feitas várias fotos e filmagens de Pedro com sua bisneta, Lorena, sentada em seu colo na cadeira de rodas: "Era tanto amor naquele olhar de um para o outro, ele fazia carinho nela, ela passava a mãozinha pelo rosto dele...".

Outro momento memorável eram os bingos no clube da Portuguesa - o time de futebol. Pedro adorava participar! Pegava várias cartelas e as dividia com Sandra, vibrando a cada número marcado, ele se divertia muito nessas ocasiões. Nunca ganhou, mas comemorava mesmo assim, dizia: "Viu como eu quase ganhei?!".

Pedro deixa a seus descendentes a herança mais valiosa que um pai pode deixar: que aquele que cria e educa com amor, autoridade e bons exemplos seus filhos pequenos, ganha amigos verdadeiros quando eles se tornam adultos. E é por isso que Pedro partiu e ao mesmo tempo continua vivo no coração de cada um dos filhos e de sua amada Francisca. Descansa, Pedro! Sua missão na Terra foi cumprida de forma impecável!

Pedro nasceu em Brejo Santo (CE) e faleceu em São Paulo (SP), aos 85 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Pedro, Sandra da Silva. Este tributo foi apurado por -, editado por Ana Macarini, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 26 de fevereiro de 2021.