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Jorge Antônio Messere

1969 - 2021

Dentre suas múltiplas habilidades, ele se destacou em ser, não apenas pai, foi o farol e o exemplo para sua única filha, Mariana.

Jorge conheceu a esposa, Kelly Cristina, em Engenho Novo, bairro onde ambos moravam. Durante os quase trinta anos em que juntos viveram, foi marido dedicado, atencioso, que se preocupava em demonstrar afeto nos pequenos detalhes como viver agradando a todos e dividir as tarefas do lar.

Como pai, deixou marcas indeléveis na filha Mariana, que conta: “Ele era meu parceiro e meu grande amigo! Extremamente zoeiro, adorava fazer brincadeiras comigo. Nos conhecíamos tão bem, que eu logo sabia quando ele estava sobrecarregado ou preocupado com alguma coisa. Tinha muito orgulho de mim e se debulhava em lágrimas a cada uma das minhas conquistas. O amor que ele sentia por mim era tão intenso que eu conseguia senti-lo sem palavras, apenas pelo seu semblante”.

De modo geral, as principais características de Jorge eram a bondade e o sentir-se inteiramente responsável pelas pessoas que amava. Também costumava realizar boas ações sem pretensão alguma de receber algo em troca. Em família e com os amigos, apesar da aparência firme, o lado brincalhão sempre prevalecia. Gostava de sair para comer; realizar pequenas viagens e assistir televisão e filmes.

Excelente corretor de seguros, sabia vender e tinha uma carteira de clientes fiéis. Por ser muito inteligente e arrojado, resolvia toda e qualquer situação de modo eficiente e rápido. Empreendedor, abriu o seu próprio negócio: no início ao lado de dois sócios e amigos, e depois sozinho, construindo o nome de sua corretora com muito empenho.

Há algum tempo ele aguardava ansiosamente a aposentadoria para desfrutar do melhor da vida ao lado da esposa, desejando usufruir de uma vida tranquila em um local confortável, longe do agito de uma capital. A ideia de abrir um novo negócio também o agradava bastante.

Embora seu trabalho demandasse bastante do seu tempo, enquanto a sonhada aposentadoria não chegava, nas horas vagas, dedicava-se à sua paixão por motocicletas e, por vezes, saía para dar umas voltas e espairecer. Noutras, gostava de realizar viagens mais longas sobre duas rodas. Quando não estava andando de moto, pesquisava e experimentava diferentes modelos do veículo. Gostava de consertar carros antigos e chegou a ter muitas motos, fuscas, brasílias e kombis. Às vezes, aproveitava seu tempo de folga para ir a Saquarema — por ele, iria para lá todo fim de semana. Organizava a casa e o quintal, deixando tudo sempre bem arrumado e aconchegante.

Mariana se lembra desse tempo com carinho: “Desde pequena, meu pai sempre me levava na garupa para andanças de motocicleta. Nós também tivemos muitas viagens marcantes de carro. Entretanto, uma recordação muito impactante foi quando ele caiu da moto e se machucou todo. Apesar de não ter sido nada grave, naquele dia, ele chorou copiosamente quando nos encontramos. Ali percebi o quanto ele me amava e tinha medo de ficar longe de mim, assim como todo o amor que sinto por ele se fez presente naquele instante”.

Mariana relembra também a paixão dele pelos veículos: “Meu pai não se aguentava: trocava frequentemente de motocicleta, situação em que minha mãe e eu sempre ficávamos bravas com ele. Certa vez comprou um fusca, dizendo que seria meu, mas, logo depois, não se aguentou e o revendeu. Depois disso, teve uma kombi. Por fim, comprou um jipe bem antigo que tinha o teto aberto. Então, eu me recordo de passear com ele na rua e as pessoas ficarem olhando. Era bem engraçado!”.

Ela não se esquece também do costume que ele tinha de sempre deixar tudo resolvido e organizado. No trabalho e na vida familiar, todos os pormenores eram colocados em ordem, todas as burocracias solucionadas. Ele resolvia todos os problemas num piscar de olhos. Na casa de praia, em Saquarema, muitas coisas foram feitas por suas próprias mãos. Estava sempre a postos para colocar alguma ideia em prática, dedicando-se para que o lugar oferecesse conforto e calmaria.

Mariana, conta sobre os hábitos e preferências do pai: “Tinha o hábito de comprar roupas azuis. A maior parte de suas camisas sociais e camisetas eram em diferentes tons de azul. Ele era torcedor do Fluminense. Completamente apaixonado pelo Tricolor das Laranjeiras, as partidas se tornavam momentos de estresse, mas mantinha-se firme e forte na torcida pelo time que amava. Como carioca da gema, gostava muito de samba. Em sua trilha sonora não podia faltar as músicas de Zeca Pagodinho, Wilson Simonal e João Nogueira. Este último é o intérprete e compositor de 'Espelho', uma das canções preferidas do meu pai. O trecho: 'Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade e orgulho de seu filho ser igual seu pai', diz muito sobre a nossa relação”.

Jorge marcou muito a filha por seu modo de viver: “Eu me recordo constantemente da alegria que ele demonstrava quando ia a alguma festa: dançava e se divertia ao máximo. As inúmeras lembranças que tenho desses momentos de alguma maneira me aconchegam. Era comum ouvi-lo contar histórias de sua época de juventude. Ele também dava muitas gargalhadas, especialmente, com o pessoal do bairro. Os amigos inclusive tinham um grupo em um aplicativo de mensagens onde conversavam trivialidades”, diz Mariana.

“O que ele mais amava fazer no mundo era ser pai. Tudo o que ele fazia era por mim, sua única filha. Ele estudou para ser corretor por mim e pela minha mãe. Parou de fumar quando eu nasci. Trabalhou a vida toda para me dar tudo o que eu precisasse.”

“Ele era a pessoa mais apegada à família do mundo. Também merece ser lembrado como um homem generoso, que ajudava todo mundo, fossem familiares ou não. Tinha lábia, esperteza e malandragem para lidar com a vida. Todo mundo o conhecia, porque ele causava um impacto forte e imediato, sempre cheio de simpatia. Ele me ensinou tudo isso e mais. Hoje sou muito parecida com ele e com 20 anos tento ser tão boa e tão esperta quanto ele foi".

“Em toda a minha vida ele foi a pessoa em quem eu mais me espelhei! Considero, inclusive, ser parecida com ele em aspectos essenciais da minha personalidade. No correr dos dias, tínhamos a mesma responsabilidade, agilidade e foco na resolução de problemas. Primávamos por organização e planejamento de nossas ações.”

“Meu pai me ensinou a mesclar, de modo equilibrado, a bondade com a perspicácia, não deixando, por exemplo, que pessoas mal-intencionadas se aproveitassem do nosso bom coração. Talvez eu tenha herdado até a sua extrema sensibilidade, característica que ele sempre procurava esconder, mas que não adiantava, já que bastava pouca coisa para ele se debulhar em lágrimas. Tudo o que sou e o que me tornei têm muito de quem ele foi.”

“Volta e meia, penso o quanto ele se orgulharia em saber sobre o meu trabalho, que pago o meu próprio aluguel e que me tornei alguém independente graças a tudo o que ele me ensinou. Em meio aos percalços do cotidiano, é impossível não pensar que ele me estenderia a mão sem titubear.”

"Ele sempre será o meu grande amor! Apesar de não ter mais a sua presença física, que trazia tanta luz e alegria aos meus dias, tento viver como o meu pai me ensinou: tocando a vida e fazendo o que for possível para ser feliz. A cada nova realização há sempre um pouco dele. Há sempre o pensamento de que ele se orgulharia de mim e vibraria ao meu lado de forma esfuziante. Eu poderia passar dias falando sobre o quanto o meu pai era único. Enquanto existir, serei o reflexo dos ensinamentos e das lindas recordações que vivi com ele", conclui Mariana.

Jorge nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 51 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Jorge, Mariana da Rocha Azevedo Messere. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 3 de julho de 2023.