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Severino Faustino Filho

1960 - 2020

"Caia sete vezes, levante-se oito", dizia ele que sempre encarou a vida com determinação.

"Não é mole não. Tem que ser leão. A gente rala no batente pra ganhar o pão [...] Fim de semana curto samba e sol na laje".

Se a história de Severino, apelidado ainda na infância de Ramos, tivesse trilha sonora, é seguro que "Vida da Gente", de Zeca Pagodinho, estaria entre as músicas mais tocadas.

Essa era uma de suas músicas favoritas, talvez a que ele mais gostava. A filha Amanda supõe que essa predileção existia porque a letra relata um pouco do que era a rotina de Severino, gerando uma interessante identificação. Seu lema era "caia sete vezes, levante-se oito".

Ao longo da vida, Severino foi coletor, segurança e gari. Era apaixonado pelo trabalho e "amigão" de todos que dividiam com ele o dia a dia de labuta. Acreditava que as amizades tinham que ser sólidas, ou a pessoa era amiga ou não era, e entregava justamente isso a quem escolhia ter por perto.

Chegando em casa, lembrava-se sempre de colocar comida para Barack, seu companheiro inseparável. O trabalho nas ruas apresentou Severino à muita gente. Uma das amizades foi com uma moça que, um dia, se viu com quatro filhotinhos órfãos de uma cachorrinha que faleceu logo após o parto. Foi ela quem ofereceu a Severino um dos cãezinhos que, por ser pretinho, acabou sendo carinhosamente batizado de Barack em homenagem à Obama, o primeiro presidente negro dos EUA.

Nas horas livres, Severino gostava de assistir televisão, tomar sua cerveja e ouvir suas músicas favoritas. Também era apaixonado pelo Corinthians e pela família que construiu com Valfrida, em uma união de mais de quarenta anos.

Severino fazia o que podia e até o que não podia para ver todos que ele amava bem e felizes, especialmente seus filhos e netos. Severino foi pai de Claudemar e Geovana. Ao assumir a relação com Valfrida, assumiu a criação de Claudia, Revanir, Vanete e Luciano; todos filhos de sua amada. Juntos, o casal trouxe ao mundo José Anderson e Amanda, que solicitou esta homenagem.

Com carinho, ela guarda com nitidez na memória um momento especial vivido com o pai. Severino gostava de dançar e, certa vez, em uma festinha de criança levantou-se, pediu que colocassem um forró para tocar e tirou a filha, então com oito anos, para uma dança.

"Ele não se importou com o que as pessoas que estavam lá iriam pensar", lembra Amanda, explicando que a festa era muito formal, sugerindo que o gesto poderia causar certa estranheza. No fim das contas, porém, os presentes ficaram admirados com pai e filha se entregando em uma simples dança. Um momento que Severino fez questão que fosse perfeito; e foi.

Nos últimos tempos, Severino era chamado de Ramos só pela própria mãe, dona Sebastiana, e pela esposa. Sem ter muito acesso a serviços de saúde, dona Sebastiana fez uma promessa para que São Ramos salvasse a vida de seu menino na luta contra uma enfermidade.

A promessa rendeu e deu a Severino a chance de deixar sua marca no mundo por mais tempo, especialmente com sua generosidade. Antes de partir, ele avisou à família que estava bem. Agora, segue na companhia de Claudemar e Luciano, os filhos que se foram primeiro.

Severino nasceu em Timbaúba (PE) e faleceu em São Paulo (SP), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Severino, Amanda Teodoro. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Larissa Reis, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Larissa Reis em 1 de abril de 2021.