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Ueliton Nascimento de Morais

1963 - 2021

Astuto e curioso, certa vez fez um experimento usando repolho roxo, só para aferir a alcalinidade de três marcas de água.

Ueliton era uma mistura de teimosia com amor, e isso o tornava único. Não abria mão de nenhum dos seus posicionamentos - acreditava veementemente que estavam sempre corretos -, e a sua personalidade forte o tornou destemido e determinado. Sempre dizia "presta atenção que vou ensinar uma vez só" quando ia explicar algo.

Foi pai de Polyana e Víctor, e os amou incondicionalmente por toda a sua vida. "Não desiste não" era o que ele sempre falava quando Polyana não passava em algum concurso público. Ueliton sempre a estimulou nos estudos: comemorou quando ela tomou posse de quatro concursos diferentes e a consolou quando o resultado era negativo. Os dois amavam passar o tempo juntos no clube onde eram sócios, e tinham uma relação de parceria linda de se ver. Ueliton sempre priorizou o bem estar da família, e só se deu ao luxo de comprar um tênis mais caro e famoso para si quando Víctor teve condições de comprar um também.

Luísa e Pedro Lucca, seus netos, eram os xodós de Ueliton. Ele os amou tanto que, mesmo sendo contra tatuagens, eternizou o nome dos dois em sua pele, um em cada braço. "Além de mandar fazer um adesivo enorme no vidro de trás do carro, escrito: 'Pedro Lucca' e 'Luísa'. Ficou um tempão andando com aquele adesivo", conta Polyana. Ele também amava comprar presentinhos para os netos, e costumava dizer que era melhor ser avô do que pai.

Rita foi o amor da sua vida, e foi ela quem deu os primeiros passos para o início do relacionamento dos dois. O casal se conheceu no bairro onde morava, em uma festa tradicional da padroeira, e Rita fazia de tudo para chamar a sua atenção. Os dois se apaixonaram e se casaram quando Ueliton tinha vinte e dois anos e Rita dezoito; viveram trinta e cinco anos juntos, cheios de amor, carinho, parceria e respeito. Os passeios que gostavam de fazer, normalmente envolviam churrascarias - mesmo com Rita preferindo comer salmão e pão de alho.

A família de Ueliton também tinha uma integrante de quatro patas: Juju, a cachorrinha de Polyana. A primeira reação dele ao saber da sua chegada foi dizer "na minha casa não entra cachorro," mas logo ficou apaixonado pela cadelinha. "No inverno ele me ligava às dez, dez e meia e falava assim: 'a Juju tá onde?' aí eu respondia: 'está na casa dela, dormindo na varanda'... 'não, você não quis cachorro? A Juju vai dormir dentro de casa, porque está muito frio'. E aí eu tinha que botar a Juju pra dormir dentro de casa. E agora que ele não está mais aqui, a gente não consegue deixar a Juju do lado de fora." conta Polyana.

Foi um homem muito trabalhador mas, para Ueliton, a família era a prioridade. Pediu demissão do seu emprego em um mercado para poder passar mais tempo com a filha, já que os seus horários não batiam com os dela. Depois disso passou a trabalhar na Ford, e, quando Polyana completou oito anos, ele se tornou representante comercial de peças automotivas e permaneceu no cargo durante vinte e três anos.

Outra de suas muitas características era o apreço por aprender: fazia experimentos em casa para tirar suas dúvidas, fossem elas sobre a alcalinidade ou acidez da água ou a veracidade do Ômega 3. "Um dia eu cheguei em casa e tinham três copos de água em cima da pia e três garrafas de água atrás de cada copo. Cada copo de água tinha um tom lilás, meio roxo. Eu cheguei do serviço e ele falou assim: 'Pô, vem cá pra você ver uma coisa'. Aí eu falei: ' Pai, você tá ficando maluco, só pode'. Aí ele respondeu assim: 'isso aqui eu fiz com repolho, botei a folha na água e o tom de cada roxo mostra o teor alcalino da água. Então a melhor água que a gente tem pra tomar é dessa garrafa aqui'" Polyana, filha de Ueliton, relembra com carinho.

Quando não estava trabalhando, ele podia ser visto andando de bicicleta, sempre com a camisa térmica combinando com a de cima. As pedaladas eram feitas em estradas de terra cheias de obstáculos, e Ueliton voltava para casa se sentindo realizado quando via, no aplicativo, que superou a quilometragem da última aventura. Amava saber que conseguia superar os seus limites. Em uma ocasião, Víctor foi convidado pelo pai para pedalarem até o centro de Sapucaia. Eram aproximadamente trinta quilômetros de ida, com algumas subidas e paradas, e, segundo Víctor, ele “quase morreu”, já que não tinha o mesmo costume que o pai. “Tenho fotos desse dia, a expressão dos dois foi a melhor parte: moídos!”, conta Polyana.

Ele também amava preparar churrascos deliciosos - que só ele sabia fazer, diga-se de passagem. Os churrascos eram cheios de alegria, e Ueliton não deixava ninguém faltar: sempre que seu genro, Elton, trabalhava no sábado, o churrasco era adiado para que ele pudesse participar também.

Mesmo não gostando de ganhar presentes, Polyana o presenteou, há muitos anos, com uma tábua de carne de vidro, do Flamengo, e ele a usou em todas as ocasiões, durante oito anos - mesmo sabendo que a tábua não era das melhores, já que cegava a faca.

Foi flamenguista de corpo e alma: os olhos brilhavam quando assistia aos jogos. Levou a sua camisa do Flamengo a uma de suas viagens para Gramado, e andou com ela pela rua com orgulho estampado no rosto. "Teve um jogo, uma final, Flamengo e Inter, e ele andava pelo Rio Grande do Sul com a camisa do Flamengo. Era muito engraçado, porque o gaúcho passava e sempre mexia com ele, tipo 'vai perder', essas coisas assim, sabe? E acabou que o jogo deu empate; ainda falei 'que sorte pai, que deu empate, porque você ia ser massacrado com essa camisa do Flamengo no sul'", Polyana relembra. Ueliton amava viajar, principalmente para Gramado - onde podia assistir o Natal Luz - e fez questão de levar a família para conhecer a cidade em seus mínimos detalhes.

"Não quero nem saber se o pato é macho. Agora eu quero é passear" ele costumava dizer quando planejava as suas viagens. Que saudade Ueliton deixa...

Ueliton nasceu em Além Paraíba (MG) e faleceu em Juiz de Fora (MG), aos 56 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Ueliton, Polyana Mendes de Morais Alvares. Este tributo foi apurado por Mariana Ferraz, editado por Mariana Ferraz, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 7 de fevereiro de 2022.