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Valdete Silveira

1926 - 2020

Uma fortaleza na vida e uma doçura no trato, Detinha foi dona de si e muito apaixonada por cuidar da família.

Uma matriarca, carinhosa, amável e alegre. Sua maior paixão era cuidar de todos da família.

Detinha casou-se apenas uma vez, com Antônio Melo, com quem teve seus sete filhos: Vandeci, Vanilsa, Vilma, Valdelice, Ariosmar, Ailson e Antônio Filho. Ficou viúva aos 44 anos, mas sempre falava que se mantinha viva aos 93, porque não casou novamente. E ainda aconselhava a neta: "Beta, namore bastante, mas não case, curta a vida."

"Meu avô foi seu único homem e ela orgulhava-se disso. Contava que foram bem felizes e que, quando ele partiu, deixou-a muito abalada. Naquela época era muito difícil ser viúva", conta Roberta, que orgulhosa define a avó: "Foi uma gigante, sem nunca perder a doçura."

Detinha foi dona de casa e gostava muito de rezar o terço e assistir à missa. Muito católica, na Semana Santa fazia jejum. Dizia que era para aliviar os pecados. Mas Roberta monitorava a avó sem que ela soubesse, pois sempre desconfiou que ela comia escondido.

"Minha avó era muito bondosa, uma mulher incrível. Tinha uma risada maravilhosa. Somos uma família grande e, quando a casa estava cheia, com seus sete filhos, os 24 netos e 13 bisnetos, a felicidade enchia seu peito."

Dizia que, por ter criado os filhos sozinha, havia se tornado uma mulher muito forte. Roberta considera-se muito grata e feliz por tantos anos de convivência com essa avó sábia. Derrete-se: "Ahhh, ela sempre tinha uma palavra, alguma coisa construtiva pra dizer, que nos fazia sentir melhor."

Detinha morava na zona rural. Tinha muitas plantas e árvores frutíferas. Assistia às novelas, mas gostava mesmo era dos programas religiosos. E era, como se diz na Bahia, "boa de boca", segundo a neta, que entrega: "Ela gostava de comer de tudo, não rejeitava nada! Mas adorava frituras: frango, peixe carne... Comia com vontade e se deliciava, explicando que era um prazer indescritível."

Senhora de si, tinha os cabelos bem grandes e não permitia opiniões e mandos para cortar suas madeixas. Os fios branquinhos pareciam flocos de neve. No guarda-roupa havia muitos vestidos e conjuntinhos, além dos perfumes e cremes, para seus cuidados pessoais, que não podiam faltar.

Com o passar do tempo, não lia mais, pois as vistas já debilitadas dificultavam essa atividade. Mas Detinha era muito inteligente e não deixava de estar sempre bem-antenada. "Já as histórias loucas eram o forte da minha avó. Ela contava que, após ficar viúva, apareceram uns jovens rapazes interessados em namorá-la. Inventavam algumas coisas pra fazer em sua casa, só pra ficar por perto, mas ela imediatamente os botava pra correr. Ela falava: 'só estavam de olho em alguma herança que pensavam que seu avô tinha deixado!' E todos ríamos muito", lembra com um misto de saudade e alegria a neta.

Quando Valdete começou a apresentar os primeiros sintomas da Covid, Roberta conta que ficou integralmente com a avó. No dia em que foi internada, ela pediu à neta: "Beta, cuida de mim". O sentimento foi de que seria a última vez de estar vendo sua amada avó. E pessoalmente, foi.

Antes de ir para a UTI, a neta conseguiu com a equipe médica uma videochamada. Ela pareceu ótima aos olhos de Roberta e disse: "Beta, preciso comer! Aqui a comida não é igual a de sua mãe. Tu vens me buscar logo, viu?"

"Mas, infelizmente, não pude", lamenta Roberta, que conclui a homenagem com seu enorme amor, relembrando momentos de infância: "Quando eu era pequena, lembro-me que ela sempre dava aos netos aquelas besteiras proibidas pelos pais. Tinha uma proteção gigante sobre nós. Definitivamente, tenho uma referência maravilhosa: ela foi a melhor representação de uma avó! Sou muito parecida com nossa Detinha. As manias, o jeito de falar... Até o roer das unhas. Fui a única que puxou a ela nesse aspecto nem tão agradável. Temos uma ligação forte e inabalável. Eu só queria ter repetido um milhão de vezes que eu a amava muito! Então: Vó, eu te amo, te amo, te amo!"

Valdete nasceu em Cruz das Almas (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 93 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Valdete, Roberta Silveira Moreira. Este tributo foi apurado por Denise Pereira, editado por Denise Pereira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 26 de outubro de 2020.