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Zoé Terezinha Moreira

1936 - 2020

Não gostava de esperar ônibus, tinha rodinhas nos pés. Ligeira que só, chegou aonde queria chegar.

Os largos sorrisos de Zoé Terezinha, acompanhados de seus abraços carinhosos e cheios de ternura, eram sua marca registrada. “Dica”, como era chamada desde a infância em Guapé, no interior de Minas Gerais, não saía em uma foto sequer sem estampar alegria. Não há registros dela em que não esboçasse uma risadinha.

A vida não foi fácil, é verdade. Abandonada pelo marido aos 25 anos, com cinco filhos pequenos para criar, trabalhava de dia para dar o que comer à noite para as crianças. Sempre dizia para sua filha mais velha, Maria Aparecida, que eles eram o motivo de nunca ter desistido de lutar. Na selva de pedra, a leoa defendia seus leõezinhos e cuidava para que nada os atingisse. Tinha instintos e confiava neles.

Apesar de toda a dificuldade imposta, contava, com aquela boa gargalhada, as histórias de sua vida. Uma das preferidas da família era a da origem de seu apelido. Ela narrava que, quando ainda era menina em Guapé, uma enxurrada levou o garnisé “Dico”, de seu irmão Lázaro. Sua mãe, percebendo a tristeza do primogênito, amenizou: "Pronto, agora você vai ter a sua Dica, sua irmã". Desde nova, sem perceber, cuidou até dos mais velhos.

E era tão gostoso chegar em sua casa e a encontrar com aquele pano de prato sobre os ombros e vê-la fazendo os seus quitutes. Os pães de queijo que preparava, os bolos de fubá que assava e as coxinhas de frango que fritava tinham “gostinho de Minas Gerais” para ela. Maria, Carlos, Marilda, Marcos e Osmarino, seus filhos, também compunham a mesa e desfrutavam do talento culinário da matriarca. Precisavam aproveitar, mesmo, pois Dica não revelava seus segredos da cozinha.

Também não gostava de esperar ônibus. Se precisasse resolver alguma pendência e necessitasse do coletivo, que demorava alguns minutos para parar no ponto, ligava suas rodinhas nos pés e partia.

No bairro Guaianazes, na zona leste de São Paulo, subia e descia tudo a pé. Entre os destinos, um centro esportivo para praticar seus exercícios físicos e a igreja, que fazia questão de visitar todo domingo. As missas dominicais eram sagradas para Dica.

Sagrado também era o seu sorriso, Dica.

Zoé nasceu em Guapé (MG) e faleceu em São Paulo (SP), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Zoé, Maria Aparecida de Oliveira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Lucas Eduardo Soares, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 13 de agosto de 2020.