1977 - 2021
Seu olhar penetrante e expressivo, traduzia, sem palavras, o que ia em seu pensamento.
Foi na cidade baiana de Entre Rios que Andréa nasceu e escreveu sua história. Com seu riso solto, olhar penetrante que já dizia tudo e uma energia contagiante, a mulher carismática e comunicativa deixou suas marcas pelos lugares onde passou.
Na vida privada, foi mãe amiga e conselheira, sempre atenta e carinhosa. A filha Virna conta que a mãe “sabia tudo da minha vida, desde os meus erros até meus acertos”. Virna complementa que Andréa era uma boa ouvinte e sabia compreender as situações que se passavam, chegando ao ponto de perceber que alguma coisa poderia prejudicar a filha. Mesmo nas situações em que pensasse diferente e que considerasse que a escolha de Virna não seria a melhor, era capaz de respeitar.
Com Andrei, o outro filho, não era diferente. Contudo, Andréa tinha uma preocupação a mais com ele “pelo fato de ser homem e poder se envolver em alguma situação que o prejudicasse”. Assim, ela gostava de saber a hora em que ele saía, quando voltava para casa, com quem andava. Com seu jeito mais introvertido, em algumas situações, Andrei se incomodava com a postura da mãe. Contudo, como explica Virna, "ele soube absorver os ensinamentos da mãe e tornou-se uma pessoa íntegra e responsável".
Dona de um olhar penetrante e expressivo, Andréa, em muitas situações, não precisava pronunciar uma só palavra para deixar evidente o que pensava. Durante a formatura de Virna em Engenharia Civil, foi pelo olhar que Andréa expressou como estava feliz e realizada — pois participara intensamente da conquista da filha. Entre as memórias mais preciosas guardadas na memória de Virna está também o abraço que recebeu de Andréa no dia da colação de grau.
Das lições que Andréa deixou fica a intensidade com que viveu cada momento de sua existência. Em suas vontades e obrigações ela era intensa de modo igual e “não deixava nada para amanhã”. Se sentisse vontade de comer alguma coisa, ia para a cozinha e fazia. Nesses momentos preparava deliciosos carurus e vatapás. A paixão pelas empadas doces também era uma marca e ela sempre comprava. Se surgisse algum problema, tinha como hábito resolver o mais rapidamente possível, de preferência no mesmo dia.
No enfrentamento dos desafios da vida, “era decidida, forte e guerreira. Corria atrás de seus objetivos sem sequer pensar em desistir” conta Virna. Com uma convicção de que nada iria dar errado e que ao final tudo seria resolvido ela enfrentava e dava conta de tudo. Um exemplo disso foi o momento em que Virna adoeceu e não tinha plano de saúde. Com sua habitual fé na vida, enfrentou a situação e o tratamento aconteceu.
A filha de Dona Ângela Maria e de Seu Jessé de Souza foi também uma irmã muito presente na vida dos irmãos Jessé e Alex. Como filha mais velha, frequentemente aconselhava Jessé e “puxava a orelha dele”. Nos aniversários de todos da família ela sempre preparava uma surpresa.
No tempo em que morava com os pais, Seu Jessé era rigoroso com as saídas da filha. Para ir a festas, só com as primas e com horário de ir e voltar. Era o que o pai permitia, no modo como entendia a necessidade de educar a filha.
Depois que passou a morar com os filhos em um imóvel bem ao lado da casa dos pais, Andréa mantinha uma relação cotidiana com eles. Depois dos dias de trabalho, ela quase sempre reservava um tempo para tomar um café com Dona Ângela. Depois, gostavam de ficar na varanda, conversando. Tinha também o tempo de assistirem novela juntas.
A religiosidade e devoção de Andréa à Nossa Senhora Aparecida trazem fatos marcantes que não podem deixar de ser contados. Todos os dias, em seu quarto, antes de se deitar e diante da imagem de Nossa Senhora, ela se ajoelhava para suas orações. Era o momento de “agradecer a Deus e Nossa Senhora tudo haviam abençoado em sua vida” recorda Virna. Entre os sonhos que Andréa não conseguiu realizar ficou o de fazer uma romaria ao Santuário Nacional de Aparecida, em São Paulo.
Logo no início da pandemia de Covid-19, o então chefe de Virna foi contagiado pelo vírus. E seu estado de saúde era bem grave. José Roberto era uma pessoa muito querida da família e Andréa rezou muito, pedindo à Nossa Senhora Aparecida por sua recuperação. Betão, como era carinhosamente chamado, ficou curado e fez questão de fazer uma visita para agradecer as orações. Na mesa do café, aconteceu uma conversa em que a fé de Andréa e a gratidão de Betão ficaram evidentes.
Ainda no universo das amizades, algumas amigas de longa data merecem uma lembrança especial. Ivone, com quem tinha um forte laço; Jade, a costureira; e Josy, que entrou para a Universidade no mesmo ano que Andréa e de quem era muito amiga, embora os cursos fossem diferentes.
De baixa estatura, morena, cabelos negros e lisos, olhos castanhos e quadril largo, Andréa era vaidosa. Não usava maquiagem, mas gostava muito de uma roupa nova. Uma das atividades que mais gostava de fazer nas horas de lazer era ir às compras. Muitas vezes ela viajava para Salvador somente para comprar suas roupas e sapatos.
Foi com base em toda essa química pessoal que Andréa tornou-se uma excelente professora, dessas com pulso firme dentro da sala de aula. Apaixonada pela educação, lecionou primeiramente no Ensino Fundamental, período em que alfabetizou muitos alunos. Depois da formatura em Química, atuou no Ensino Médio no Colégio Estadual José Antônio de Araújo Pimenta – CEJAAP.
Na intenção de envolver os alunos em sua disciplina, estruturou o projeto da Mostra de Química. Anualmente, estudantes de diversas escolas do litoral norte da Bahia se encontravam para apresentar seu aprendizado e experimentos desenvolvidos durante o ano letivo. A Mostra era aberta à comunidade e costumeiramente tornava-se um momento de integração entre professores e estudantes. Tudo com direito a banners e camisas alusivas ao evento e muitos abraços e sorrisos daqueles que apresentavam, orgulhosos, o resultado de suas pesquisas.
O engajamento e a dedicação de Andréa lhe renderam diversas homenagens depois do seu falecimento. Uma delas foi um vídeo, produzido pelos alunos, onde Andréa é lembrada como a “eterna professora de química”. Outra iniciativa veio da direção da escola: o laboratório de química, rebatizado, passou a chamar-se Laboratório de Química Andréa Carvalho.
Numa nota de pesar por seu falecimento, o Núcleo Territorial de Educação do Litoral Norte e Agreste Baiano destaca o comprometimento de Andréa e suas qualidades como educadora. A nota publicada no portal do governo do estado da Bahia realça a importância do projeto Mostra de Química e a gratidão e amor dos alunos pela professora.
Outra prova inequívoca de reconhecimento e carinho é a postagem feita em rede social pelo aluno Jadson Mendes onde está uma foto de Andréa e um grupo de alunos, e um texto que diz assim: “Há perdas que são irreparáveis e esta é uma delas. A arte de educar perdeu uma grande mulher, a escola perdeu uma excelente profissional e nós perdemos um ser humano incrível, que jamais iremos esquecer. Lembrarei sempre de você com esse seu sorriso. Obrigado por cada puxão de orelha”.
Andréa, que gostava de dormir cedo, segue viva na continuidade dos estudos de tantos jovens que dividiram a sala de aula com ela; na imagem de Nossa Senhora Aparecida guardada com carinho por Virna e Andrei; nas tardes em que Dona Ângela senta-se na varanda com a neta Virna para conversar vendo o pôr do sol; na sensação constante de que a mãe está sempre por perto sentida por Virna todos os dias, desde o amanhecer.
Andréa nasceu em Entre Rios (BA) e faleceu em Salvador (BA), aos 43 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Andréa, Virna Vitória dos Anjos Macedo. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 17 de abril de 2023.