1956 - 2021
Sua casa era literalmente o ponto de encontro: toda tarde a mesa era posta para uma boa prosa e um cafezinho.
As vivências da garota na infância fizeram de Sonia uma fortaleza. Criada com dificuldade pelos pais numa família de 10 crianças, passou por situações de fome, despejos e falta de estudo. O desejo era ir à escola, que frequentou apenas até o quarto ano, mas a prioridade foi dada aos filhos homens, como reflexo do machismo que imperava na sociedade da época. “Quando eu ia à casa da minha avó, só via aquelas fotos de escola dos meninos”, relembra a filha Vanessa.
Assim que alcançou mais idade, lançou-se no mundo do trabalho fabril como forma de alçar voo próprio. Ainda tinha por hábito frequentar a igreja do bairro. O trajeto dos cultos acabou se tornando também o caminho para o altar. Trocava olhares furtivos com um rapaz da vizinhança, Marcionilo, apresentado por uma amiga. Em oito meses de romance, com direito a namoro e noivado, o casal contraiu matrimônio. Sonia tinha 24 anos e se dedicou intensamente a cuidar das quatro meninas que nasceram dessa união – Vanessa, Vânia, Viviane e Vivian. “Gostava mesmo de ser mãe”, conta a primogênita, emocionada. “Era exigente, mas entregava amor”.
A viuvez veio precocemente, com a infelicidade de um acidente de trabalho sofrido pelo marido. A batalha seria grande para sustentar a prole. A filha mais velha começou a trabalhar tão logo pôde para ajudar nas despesas domésticas. Todas foram se dedicando aos estudos e ao trabalho com o passar do tempo. Na casa das “Vs”, como eram chamadas pela turma, o coração de mãe batia bem forte. Sonia adotou dois sobrinhos de sangue – Talita e Vitor – que viviam num abrigo, e a família aumentou, mesmo com algum sacrifício. Ela também não hesitava em receber em casa os grupos de amigos da filharada. Fazia encontros de Natal, Ano Novo, aniversários, “era a mãezona da galera”, descreve Vanessa. A troca era tanta que nutria disposição de acompanhar a juventude em acampamentos, passeios e viagens religiosas. Para Dona Sonia, não tinha “tempo ruim”. Às vezes vinham broncas aos gritos, para fazer jus à origem italiana, mas o jeito forte se misturava à doçura dos sentimentos. Seu perfil era da persistência, pois não desistia das coisas. Sempre ativa, “era ligada no 220”, brinca a filha. Ia ao supermercado, lavava roupa, cozinhava, cuidava da casa e, na melhor fase da vida, incluía em primeiro lugar os netos. Lorenzo e Artur deram-lhe novo vigor e ganharam o espaço merecido na sua rotina. Sonia participava das festas de escola, fazia passeios ao parque e à sorveteria e, aos sábados, montava a piscina plástica no seu quintal para as brincadeiras.
A avó carinhosa marcou presença desde o comecinho, com os primeiros banhos, as primeiras mamadeiras, as papinhas. Mas era respeitosa com a maternidade de cada filha. “Minha mãe não era impositiva, era gentil, falava tudo em forma de orientação e sugestão.” E completa: “eu admirava muito isso nela”. Sonia havia praticado essa mesma autonomia na adolescência dos filhos. Deixava as coisas prontas, mas também ensinava cada um a se virar e até a cozinhar.
Apesar dos gostos simples, mantinha uma pontinha de vaidade, com perfumes, brincos e correntes que apreciava usar e ganhar de presente. Como passatempo, gostava de caça-palavras, das novelas que acompanhava em pleno silêncio e das séries a que assistia sem interrupções. O cafezinho da tarde com a mesa pronta à espera de Vanessa na volta do trabalho também era diário.
O quintal de sua casa, com sua ausência, deu lugar a um espaço de encontros criado pela filha caçula em memória da mãe – Cafezinho Vovó Sonia. Uma mascote de Sonia trajada com suas roupas preferidas dá as boas-vindas aos visitantes. Até mesmo o beija-flor de estimação que bebericava a água adocicada dos seus vasos reapareceu no dia do seu aniversário. Sinal puro de que Sonia continua presente.
Sonia nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em São Paulo (SP), aos 65 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Sonia, Vanessa Falconi Paschoalin Moraes. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 16 de novembro de 2023.