1979 - 2020
Sua paixão era ver o boi-bumbá Garantido levar o prêmio em Parintins.
De espírito livre e certo de que deveria aproveitar sua trajetória a cada momento, Ezequiel – ou melhor, Kiel, como gostava de ser chamado – ensinou, a quem pôde, que o melhor a fazer enquanto há tempo é desfrutar das pequenas alegrias proporcionadas por coisas simples e cabíveis nos tão corridos dias. “Dessa vida, não se leva nada”, repetia.
Por isso, não se apegou muito a posses. Preferia viajar e, assim, conheceu inúmeras cidades e estados. Nesses lugares, colecionou grandes amigos e percebeu que não havia riqueza maior do que as trocas culturais e emocionais. Solícito, não media esforços para ajudar quem precisasse e percebia que seu conhecimento era seu patrimônio.
Quando passou por uma grande turbulência com a morte de seu pai, senhor Raías, Kiel puxou para si a responsabilidade sobre sua mãe. Assumiu os cuidados e fazia de tudo para atender as demandas de dona Orivete. Entendia que era suporte e o fazia com muito zelo.
Não gostava de futebol. Sua paixão era o Festival Folclórico de Parintins. Gostava de ver, de camarote, as toadas dos bois-bumbá mais famosos: Garantido e Caprichoso. Mas gostava mais ainda de ver o Garantido levar o prêmio. Compreendia a força da festividade e era pertencente a ela.
Seu amor pela competição que há décadas move paixões em seu estado fez com que omitisse, em alguns anos, algumas informações de sua família. Dizia que suas idas a Parintins eram fruto de sorteios na empresa, que prestava serviços para a Transpetro, onde trabalhava como administrador. O fato é que venceu, uma vez, mas revelou que nas outras foi presenteado por seus colegas que viam o amor de Ezequiel pela tradição e por ser tão dedicado ao trabalho, onde ficou por 19 anos. Sabia que, de vez em quando, era necessário suprimir – em nome do costume, é claro.
Ia à Praia da Ponta Negra, banhada pelo Rio Negro, e fazia suas caminhadas. Às sextas-feiras à noite, saía com as amigas para algum cinema que estivesse em cartaz ou para petiscar em algum shopping. Cantava em coral na mesma medida em que tentava capturar Pokémon na rua com seu sobrinho Endrei Joseph. Juntos, caçavam em pontos turísticos de Manaus.
No Natal de 2019, pegou para si a responsabilidade de preparar a ceia. E, para toda a família, foi a mais bonita de todos os anos. Kiel se dedicou a pequenos detalhes na ornamentação, montou árvore e cuidou de tudo. Historicamente, não gostava de participar da tradicional troca de doces. Mas, como quem soubesse que era seu último Natal, entrou na brincadeira como se fosse uma despedida.
Tão novo, Kiel ensinava tanta coisa. Por isso, não deixou de viver. Apenas se mudou para a casa do Pai.
Ezequiel nasceu em Manaus (AM) e faleceu em Manaus (AM), aos 41 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Ezequiel, Eliane de Menezes Salgado. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Lucas Eduardo Soares, revisado por Otacílio Nunes e moderado por Rayane Urani em 12 de setembro de 2020.