1950 - 2020
Todos os dias deixava uma garrafa de café na porta da casa de sua filha Alina, eram amigos inseparáveis.
João era ainda um menino quando conheceu Maria José. Um outro João havia dado a ele a incumbência de levar cartinhas de amor à menina; de tanto levar as cartinhas românticas, João é que acabou por se apaixonar por Maria José. E não é que o amor era correspondido?! Os dois acabaram namorando e se casando, quando completaram 20 anos. O outro João, coitado... Ficou a ver navios.
O casal viveu uma união feliz, tiveram quatro filhos: Adelson, Adelso, Anderson e Alina; todos formados com o trabalho honesto de João e a educação zelosa da mãe. João teve o privilégio de conhecer a neta, Ágatha Raquel, filha do mais velho, Adelson; “Era um avô babão!”, conta Alina. Maria, infelizmente, adoeceu gravemente e faleceu, aos 60 anos, deixando João viúvo.
A família de João é muito numerosa, o pai dele ficou viúvo da primeira esposa, Angelina, aos 44 anos, casou-se outra vez com uma mocinha de 14 anos, Severina, a quem João chamava de "madrinha" e por quem foi sempre tratado com muito carinho; ao todo foram 32 filhos.
Ainda garoto, João queria muito trabalhar; descobriu que havia uma vaga de entregador na padaria próxima da sua casa. Candidatou-se à vaga. O dono da padaria, então, perguntou se João sabia andar de bicicleta. Ele não sabia; mas, para não perder a oportunidade, contou uma pequena mentirinha e disse que sim. Conseguindo o emprego, o garoto tinha de dar um jeito na situação — e deu! Fazia as entregas a pé, empurrando a bicicleta!
Um dia, o dono da padaria descobriu a traquinagem de João e, em vez de ficar bravo, ensinou o menino a andar de bicicleta e ainda o promoveu a ajudante de padeiro. Foi assim que João, ou Galego, como era chamado carinhosamente pelos amigos, aprendeu o ofício, que viria a ser sua profissão por toda a vida.
O sonho de João era ter sua própria padaria. Trabalhou com muito afinco, honestidade e nunca se esqueceu de seu objetivo. Até que conseguiu juntar um dinheirinho, e abriu um pequeno estabelecimento, em sociedade com um dos irmãos.
O negócio prosperou; pois, além de ser muito bom no que fazia, por amar a profissão, João era um homem de muita luz, não guardava rancor ou mágoa de ninguém. Sendo assim, era uma pessoa de coração leve, sorriso fácil e muito gentil; os clientes acabavam se afeiçoando a ele e se tornavam fregueses fiéis. A padaria foi o ganha-pão da família, até Maria José adoecer. Como precisava fazer diálise, João vendeu a padaria para poder cuidar da esposa.
Mesmo quando alguém fazia algo que o prejudicasse, ele não fica bravo ou ressentido. Esquecia o mal feito e perdoava de coração. A única coisa capaz de tirar sua alegria e paz era se, por algum motivo, não conseguisse ajudar alguém que estivesse em apuros ou passando por alguma dificuldade.
João morou com sua família no Recife, no Rio de Janeiro e, por fim, em São Paulo. Na época que morou em cidades com praias, quase não teve oportunidade de frequentá-las, pois trabalhava muito e não achava tempo para si mesmo. A filha, Alina, lembra-se de uma ocasião em que foram ao Rio de Janeiro visitar as tias e, dessa vez foram juntos à praia. Ela conta que o pai parecia uma criança, nadava e brincava na água como um menino. Foi um sacrifício tirá-lo do mar. Foi também nessa viagem que conheceram a ilha de Paquetá. Quando estavam na balsa, João ficou maravilhado com a imensidão das águas e, na ilha, foi logo alugando uma bicicleta para passear — e então, lembrou-se, mais uma vez, de sua peripécia da meninice, quando enganou o seu primeiro patrão. João e Alina eram grandes companheiros de viagem, a família numerosa, espalhada pelo Brasil garantia, a pai e filha, a oportunidade de conhecerem muitos destinos.
Outra lembrança adorável que Alina guarda com carinho é que seu pai sempre acordava muito cedo, ia buscar pão e fazia café. Então, subia até a casa de Alina e deixava em sua porta uma garrafa com café quentinho. A filha conta que o pai nunca conseguiu aprender a ler ou escrever muito bem; mas punha junto da garrafa um bilhetinho, escrito com sua letrinha insegura “café”.
Certa vez, João viajou sozinho para o Recife, a fim de visitar os familiares; já era viúvo nessa época. No voo de volta para São Paulo, conheceu Lucicleide. Conversa vai, conversa vem, os dois acabaram se apaixonando; engataram um namoro sério. Um mês depois, João apresentou a namorada aos filhos; três meses depois, já estavam casados. Lucicleide foi uma companheira amorosa, tendo sido recebida com carinho pelos filhos. Foi com ela que João realizou um antigo sonho: fazer uma viagem de navio, um cruzeiro, no vasto mar que ele tanto amava.
A filha, Alina lamenta não ter podido dar a esse homem extraordinário, cujo coração era imenso, a homenagem que ele merecia quando partiu. Mas agora, João receberá todas as honras a que ele tem direito, sendo homenageado pelas lindas histórias contadas por Alina. João será, para sempre, a luz que guia a família. Os filhos guardam na lembrança a imagem do pai, que com toda sua simplicidade, deixou um valioso legado de amor, um amor imenso, tão imenso quanto o mar.
João nasceu em Aroeiras (PB) e faleceu em São Paulo (SP), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de João, Alina Florentino da Silva. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Ana Macarini, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 20 de maio de 2021.