Sobre o Inumeráveis

Luís Gonzaga Ferreira

1950 - 2020

No hospital, sentava-se à mesa do refeitório, passava o café em um coador e servia quem estivesse presente.

Zaga, como era carinhosamente chamado pelos irmãos e sobrinhos, desde muito cedo dizia que queria ser médico do corpo e da alma. "Isso porque estudava em um colégio interno de padres e achava que tinha vocação para o sacerdócio", conta a irmã Gilda Regina, que prossegue: "Mas, talento mesmo, teve para se formar médico."

Era um excelente aluno. Cursou a faculdade de Medicina da USP em São Paulo e fez sua residência em pediatria no Hospital das Clínicas. Já formado, foi convidado para fazer parte do corpo clínico em Barretos, cidade perto de Jaborandi, onde nasceu.

Ali, no Hospital São Jorge, começava sua longa trajetória "cuidando de cada criança como se fosse seu filho". Em seu consultório, onde atendia inclusive quem não tinha condições, dedicava seus momentos para cada detalhe. "Nada lhe escapava! Sempre atento a cada sinal que pudesse diagnosticar algo estranho", diz a irmã.

Ela também conta que ele "amava fazer plantões, dizia que salvam vidas", e relata um caso. Certa vez, atendeu um bebê de oito meses que chegou gritando de dor, com febre e calafrios. O pai não sabia o que tinha acontecido, "foi de repente”, ele dizia. Tio Gonzaga, com toda a calma, começou a procurar alguma marca no corpo, uma picada talvez, mas nada encontrou. Enquanto isso, a criança só piorava. "Então, tomou uma decisão e iniciou um tratamento contra veneno de escorpião. Bingo! O bebê começou a melhorar e, depois se soube, que ele tinha engolido o bichinho!"

Gilda Regina o descreve o como "um sábio, chamado de 'mão santa', pois curava onde tocava". Ele era muito amado por todos que o rodeavam, sempre tinha um sorriso no rosto e uma palavra de carinho. Deixou dois filhos, Matheus e Nicolle, e mais milhares de crianças da região que já não podem mais contar com o Tio Zaga.

"Seu coração enorme não resistiu e partiu. Ele jamais será esquecido", finaliza a irmã.

Luís nasceu em Jaborandi (SP) e faleceu em Barretos (SP), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela irmã de Luís, Gilda Regina Ferreira Rodrigues. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Júlia de Lima, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 12 de setembro de 2020.