1945 - 2020
Uma alquimista dos temperos e da vida, que nos ensinou a amar e ofertou sempre amor, com dedicação e desvelo.
Esta é uma carta aberta da filha Domícia para sua mãe:
Mãe, cada vez que penso em ti, sinto o cheiro do alecrim, ouço o tilintar dos pratos, a gritaria e as gargalhadas sem abafos da família à mesa em uma brincadeira sem fim.
Essa lembrança recorrente e imutável tem também o seu riso alto buscando cumplicidade no olhar de alguém, as novas e velhas histórias que, aos sábados, a senhora nos contava.
Da nossa parte, é verdade, havia um pouco de provocação, por vezes duvidando das anedotas, outras tantas dizendo que faltava sal no feijão.
Aí você fingia engolir a nossa corda, reclamava dos nossos gracejos, exigia elogios que nunca foram exagerados, porque, é bem verdade: a sua comida tinha a união como tempero.
É assim que lhe vejo e, por sua causa, como família, também nos vejo como uma tela pintada e já exaurida de um quadro descrito por Allende. Também invulnerável à deterioração da má memória, repleto de momentos belos e apetentes.
A dona de uma força desmedida, que construiu, com tantos passos compartilhados, uma linda narrativa, pois: com um único homem avivou um plural de paixões; foi uma amiga repleta de comadres e irmãs; além da professora que sabia reagir às tensões.
E como sua filha, posso dizer que sob a batuta de mãe você orquestrou com maestria, nos orientando a enxergar e a sentir o mundo com sua lucidez prístina.
Você cantou pela vida até o seu último instante ─ no palco, inclusive, para ser melhor ouvida ─, enquanto seu coração pungia no mesmo tom.
Encantou-nos no teatro e, na mímica, foi a Marceau do nosso espaço.
Diante das adversidades, caminhou com fé e, mesmo caindo, tornou a fincar os pés, a nossa Teresa dos rompantes expressivos.
Foram tantos momentos únicos e tão bem vividos, que nunca ninguém conseguirá repeti-los. Não com o seu volume, as suas pausas ou o seu ritmo.
E, por tanto e por tudo isso é que a saudade é inconteste, do amanhecer ao fim do dia... do seu amor com pitadas generosas de alegria, do belo conto da matriarca que à cozinha se dedicou e nos ensinou o que é família.
Maria nasceu em João Pessoa (PB) e faleceu em João Pessoa (PB), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Maria, Domícia Cláudia de França Pessoa. Este tributo foi apurado por -, editado por Mariana Quartucci, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 11 de dezembro de 2020.